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terça-feira, 28 de janeiro de 2014

A soberania de Deus sobre a Criação

Lembremo-nos, portanto, sempre que cada um de nós atenta à sua própria natureza, de que há um Deus, que de tal modo governa a todas as naturezas, que quer que volvamos para ele os olhos; que quer que para ele dirijamos nossa fé; que quer que o adoremos e o invoquemos como nosso Senhor, porquanto nada mais contrário
do que desfrutar de tão excelentes dádivas, as quais em nosso íntimo comprovam a Deidade, e negligenciarmos o Autor que no-las prodigaliza à mera súplica.
Quanto ao seu poder, de quão cristalinos exemplos sua consideração nos arrebata! Salvo se, porventura, nos possa ser desconhecido de quanto poder se faz necessário para, por sua palavra, sustentar esta infinita massa de céu e terra; por seu
simples arbítrio, ora a abalar o céu com o fragor dos trovões, abrasar de raios tudo quanto lhe apraza, riscar o ar com relâmpagos; ora a conturbá-lo com variadas for mas de tempestades, e então de pronto, a seu bel-prazer, num momento serená-lo; o mar, que parece, com sua elevação, ameaçar a terra com constante devastação, como que forçá-lo a manter-se suspenso no ar; e ora, mercê do tumultuoso ímpeto dos ventos, em horrenda forma excitar, ora, acalmadas as ondas, torná-lo plácido novamente.

Aqui os louvores pertencem ao poder de Deus que a cada passo ocorrem dos testemunhos da própria natureza; de modo especial, na verdade, no livro de Jó e em Isaías, os quais intencionalmente por ora deixo de considerar, porquanto acharão lugar mais apropriado em outra parte onde, à base das Escrituras, discorrerei acerca
da criação do mundo. No presente, tive apenas em mira afirmar que esta maneira de buscar a Deus é comum a estranhos e a membros da família: seguem os delineamentos que, em cima e em baixo, lhe desenham viva imagem.
Seu próprio poder já nos conduz a cogitar sua eternidade, visto que tem necessariamente de ser eterno e ter de si próprio o princípio donde todas as coisas derivam a origem.

Ademais, se porventura se busca a causa, em virtude da qual não só foi ele uma vez levado a criar todas as coisas, mas ainda é agora movido a preservá-las, só em sua bondade acharemos estar sua causa. E, afinal, mesmo que seja esta a causa única, contudo mais do que suficiente deve ser para nos atrair ao seu amor, quando
nenhuma criatura há, como o assinala o Profeta [Sl 145.9], em quem sua misericórdia não lhe seja derramada.
João Calvino