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terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

INESCUSABILIDADE FINAL DO HOMEM



Mas, embora careçamos de capacidade natural para podermos chegar ao puro e líquido conhecimento de Deus, entretanto, porque o defeito dessa obtusidade está dentro de nós, somos impedidos de toda e qualquer escusa. Pois não temos direito a tergiversação, nem justificativa alguma, porque não podemos pretender tal ignorância
sem que nossa própria consciência nos convença de negligência e ingratidão.
Uma defesa sem dúvida digna de admitir-se seria esta: se o homem alega que lhe faltaram ouvidos para ouvir a verdade, quando para declará-la às criaturas mudas sobejam vozes mais do que canoras; se pleiteia que com os olhos não pode ver o que lhe mostram as criaturas não dotadas de visão; se como escusa evoca a deficiência
do entendimento, quando o ensinam todas as criaturas destituídas de razão!
Daí com razão sermos sumariamente excluídos de toda escusa, visto que, sem rumo e desgarrados, nos extraviamos, quando todas as coisas nos apontam a trilha certa. Entretanto, por mais que se deva imputar à depravação dos homens o fato de que depressa corrompem a semente do conhecimento de Deus instilada em sua mente pela admirável operação da natureza, de sorte que não alcance ela a boa e pura frutificação, contudo é mui verdadeiro que, de modo algum, somos nós suficientemente instruídos por essa testificação clara e singela que é magnificantemente atribuída
pelas criaturas à glória de Deus. Pois, no mesmo instante em que, da contemplação do universo, degustamos ligeiro sorvo da Deidade, preterindo o Deus verdadeiro, erigimos-lhe em lugar os sonhos e fantasias de nosso cérebro, e da própria fonte transferimos para alguém ou para algo o louvor da justiça, da sabedoria, da bondade, do poder. Ademais, seus feitos diários de tal modo os obscurecemos ou os invertemos mediante juízo pervertido, que não só lhes arrebatamos a glória que é dele, mas ainda o louvor que se deve a seu autor.

João Calvino