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quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

A AUTORIDADE DA BÍBLIA PROVÉM DE DEUS, NÃO DA IGREJA

Antes, porém, que se avance mais, é conveniente inserir certas considerações quanto à autoridade da Escritura, considerações que não só preparem os espíritos à sua reverência, mas também que dissipem toda dúvida. Ora, quando o que se propõe é a Palavra de Deus, é evidente que ninguém demonstrará petulância tão deplorável que ouse abolir a fé naquele que nela fala, salvo se, talvez, for destituído não só de bom senso, mas até mesmo da própria humanidade.
Como, porém, não se outorguem oráculos dos céus quotidianamente, e só subsistem as Escrituras, na qual aprouve ao Senhor consagrar sua verdade e perpétua lembrança, elas granjeiam entre os fiéis plena autoridade, não por outro direito senão
aquele que emana do céu onde foram promulgadas, e, como sendo vivas, nelas se ouvem as próprias palavras de Deus.
Certamente que esta é matéria mui digna não só que seja tratada mais a fundo, mas que seja ponderada ainda mais precisamente. Que me perdoem, porém, os leitores, se atento mais para o que dita o propósito da obra encetada do que para o que requer a amplitude deste assunto.
Entre a maioria, entretanto, tem prevalecido o erro perniciosíssimo de que o valor que assiste à Escritura é apenas até onde os alvitres da Igreja concedem. Como se de fato a eterna e inviolável verdade de Deus se apoiasse no arbítrio dos homens!
Pois, com grande escárnio do Espírito Santo, assim indagam: “Quem porventura nos pode fazer crer que essas coisas provieram de Deus?” Quem, por acaso, nos pode atestar que elas chegaram até nossos dias inteiras e intatas? Quem, afinal, nos pode persuadir de que este livro deve ser recebido reverentemente, excluindo um
outro de seu número, a não ser que a Igreja prescrevesse a norma infalível de todas essas coisas?”
Depende, portanto, da determinação da Igreja, dizem, não só que se deve reverência à Escritura, como também que livros devam ser arrolados em seu cânon. E assim, homens sacrílegos, enquanto, sob o pretexto da Igreja, visam a implantar desenfreada tirania, não fazem caso dos absurdos em que se enredam a si próprios e
aos demais com tal poder de fazer crer às pessoas simples que a Igreja tudo pode.
Ora, se assim é, que acontecerá às pobres consciências que buscam sólida certeza da vida eterna, se todas e quaisquer promessas que existem a seu respeito subsistam embasadas unicamente no julgamento dos homens? Porventura, recebida uma resposta como essa, deixarão elas de vacilar e tremer? Em contrapartida, que ocasião damos aos infiéis de fazer troça e escárnio de nossa fé, e quantos a têm por suspeita caso se cresse que tem sua autoridade como prestada pelo favor dos homens!
João Calvino