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sábado, 17 de setembro de 2016

O Batismo: um sepultamento


nº 1627, Entregue na manhã do dia do Senhor, 30 de outubro de 1881, por Charles Haddon Spurgeon, No Tabernáculo Metropolitano, Newington – Londres

 “Ou não sabeis que todos quantos fomos batizados em Jesus Cristo fomos batizados na sua morte? De sorte que fomos sepultados com ele pelo batismo na morte; para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos, pela glória do Pai, assim andemos nós também em novidade de vida..” (Romanos 6:3-4)

Que não se entre em controvérsia neste texto acerca do batismo, por mais que sobre ele alguns tenham levantado questões sobre o batismo infantil e adulto, imersão ou aspersão. Se qualquer pessoa puder interpretar de maneira consistente e conclusiva este texto sem considerar que a imersão é o genuíno batismo cristão, eu realmente gostaria de ver como o faz. Eu mesmo sou bem incapaz de realizar tal feito, e não imagino como fazê-lo. Eu me contento em aceitar o ponto de vista que o batismo significa um sepultamento dos crentes nas águas em nome do Senhor, e assim eu irei interpretar o texto.

Se alguém tem outra perspectiva, deveria ao menos se interessar em saber qual o significado que damos ao rito do batismo, e espero que eles não discordem do sentido espiritual apenas por diferirem no sinal externo.  Afinal, o emblema visível não é o assunto proeminente no texto.  Que Deus o Espírito Santo nos ajude a chegar ao ensino real. 

Eu não entendo que Paulo esteja dizendo que pessoas impróprias como os incrédulos, hipócritas, e enganadores que são batizados o sejam na morte de nosso Senhor. Ele diz “todos nós que”, colocando-se com o resto dos filhos de Deus. Ele pretende dizer que estes são os que tem direito ao batismo, e que a ele vem com seus corações num estado correto. Sobre tais pessoas, Paulo diz, “Ou não sabeis que todos quantos fomos batizados em Jesus Cristo fomos batizados na sua morte?” Ele nem mesmo pretende dizer que todos aqueles que foram batizados por direito tiveram completo entendimento do seu significado espiritual; pois, se o tivessem, não haveria necessidade da pergunta: “Ou não sabeis?” Parece que havia alguns batizados que não sabiam realmente o significado de seu próprio batismo. Eles tinham fé, e uma quantidade de conhecimento suficiente para torná-los dignos recebedores do batismo, porém não haviam sido corretamente instruídos na doutrina do batismo; talvez só estivesse enxergando no batismo o aspecto da lavagem, mas ainda não discerniram a característica do enterro.

Eu irei além, ao questionar se algum de nós conhece de maneira plena o significado das ordenanças que Cristo instituiu. Até agora somos como crianças brincando na praia em relação às coisas espirituais, enquanto o oceano está diante de nós. O melhor que podemos fazer é entrar no mar só até a altura dos joelhos, como fazem nossos filhos. Poucos de nós estamos aprendendo a nadar; e quando aprendemos, só nadamos até onde ainda podemos pisar os pés em segurança. Quem de nós jamais perdeu de vista a praia e nadou no Atlântico do amor divino, onde a verdade profunda está realmente no fundo, e o infinito é o que se vê em redor?

Oh, que Deus nos ensine diariamente daquilo que já sabemos em parte, e que a verdade que vimos de forma embaçada venha a nós de uma forma mais clara, até vermos tudo como na presença da total luz do sol. Isso só pode ocorrer se nosso caráter se tornar mais claro e puro; pois vemos de acordo com o que somos; e tal qual é o nosso olho assim também é como vemos. O puro de olhos só pode ver um Deus Santo e Puro. Seremos como Jesus quando o virmos como Ele é (I João 3:2), e certamente não o veremos como Ele é até sermos como Ele. Nas coisas celestiais nós O vemos tanto quanto nós O temos em nós mesmos. Aquele que comeu a carne e o sangue de Cristo espiritualmente é o homem que pode vê-lO na santa ceia, e aquele que foi batizado em Cristo vê Cristo no batismo. Porque a todo o que tem se lhe dará, e terá em abundância (Mateus 25:29).

O batismo anuncia a morte, sepultamento e a ressurreição de Cristo, e também nossa comunhão com Ele. Seu ensino tem dois pontos. Primeiro, pensem na união representativa com Cristo, de tal forma que, quando nosso Senhor foi morto e enterrado, foi para nosso próprio benefício, e desta forma fomos enterrados com Ele. Isso nos ensina do batismo na medida em que declara abertamente uma crença. Declaramos através do batismo que cremos na morte e Jesus, e desejamos comungar de todo Seu mérito.

Mas há outro assunto tão importante quanto este: trata-se da realização da nossa união com Cristo, que é demonstrada por meio do batismo, não tanto como uma doutrina da nossa confissão, mas como uma experiência nossa. Há um tipo de morte, de sepultamento, de ressurreição, e de viver em Cristo que deve se apresentar em todos nós que realmente somos membros do corpo de Cristo.

 I Primeiramente, então, eu gostaria que você pensasse em NOSSA UNIÃO REPRESENTATIVA COM CRISTO tal qual é estabelecida no batismo como uma verdade a ser crida. Nosso Senhor Jesus é o substituto do Seu povo, e quando Ele morreu foi para o bem desse povo e em seu lugar. A grande doutrina da nossa justificação depende disso, que Cristo tomou nossos pecados, ficou em nosso lugar, e como nosso procurador sofreu, e sangrou, e morreu, para apresentar em nosso lugar um sacrifício pelo pecado. Nós devemos nos lembrar dEle, não como uma pessoa privada, mas como nosso representante. Nós somos enterrados com Ele no batismo até a morte para mostrar que O aceitamos como sendo para nós morto e enterrado.

O Batismo como um enterro com Cristo significa, primeiro, aceitar a morte e sepultamento de Cristo como sendo para nós. Vamos fazer isso agora mesmo com todo o nosso coração. Que outra esperança temos? Quando nosso Divino Senhor desceu das alturas da glória e tomou sobre si a nossa humanidade, Ele se tornou um comigo e com você; e, tendo sido achado em forma humana (Filipenses 2:7), ao Pai agradou colocar o pecado sobre Ele, mesmo os seus pecados e os meus (Isaías 53). Você não aceita essa verdade, e concorda que o Senhor Jesus deve ser o sofredor da nossa culpa, e permanecer em pé em seu lugar à vista de Deus? “Amém! Amém!” digam todos vocês.

Ele subiu ao madeiro carregado com toda essa culpa, e lá Ele sofreu em nosso lugar e legalmente foi penalizado como nós deveríamos sofrer. Agradou ao Pai, ao invés de moer a nós, moê-lO. Ele O pôs para sofrer, fazendo sua alma uma oferta pelo pecado. Não aceitamos gratos a Jesus como nosso substituto? Oh amados, tendo sido batizados nas águas ou não, eu coloco essa questão diante de vocês, ―Você aceita o Senhor Jesus como seu representante substituto?‖ pois se não aceitam, vocês devem sofrer a própria culpa e carregar seu próprio sofrimento, e estar de pé no seu próprio lugar diante do olhar da justiça irada de Deus. Muitos de nós dizemos no mais profundo do coração –

 “Minha alma se volta para ver
O sofrimentos que tu suportaste,
Quando segurado na maldita árvore,
 E espera que sua culpa esteja lá”

 Agora, sendo sepultados com Cristo no batismo, nós selamos que a morte de Cristo foi em nosso benefício, e que estávamos com Ele, e morremos nEle, e, como prova de nossa fé, nós consentimos na tumba de água, e nos deixamos ser sepultados de acordo com Seu mandamento. Esse é um fato de fé fundamental – Cristo morto e sepultado por nós; em outras palavras, substituição, procuração, sacrifício vicário. Sua morte é a base da nossa segurança: não somos batizados no Seu exemplo, ou em Sua vida, mas em Sua morte. Aqui nós confessamos que toda a nossa salvação depende da morte de Jesus, cuja morte nós aceitamos como tendo acontecido por nossa conta.

 Mas isso não é tudo; pois se eu devo ser sepultado, não deve ser tanto porque eu aceito a morte substitutiva de outro por mim e por isso eu mesmo estou morto. Batismo é um reconhecimento de nossa própria morte em Cristo. Mas porque um homem vivo deveria ser enterrado? Porque ele deveria ser enterrado porque outro morreu em seu benefício? Meu sepultamento com Cristo não significa somente que Ele morreu por mim, mas que eu morri nEle, de tal forma que minha morte com Ele precisa de um enterro com Ele. Jesus morreu por nós porque ele é um conosco (João 17:11, 21). O Senhor Jesus Cristo não tomou sobre si os pecados do Seu povo por uma decisão arbitrária de Deus; mas era totalmente natural e próprio que Ele deveria tomar os pecados do Seu povo, pois eles são Seu povo, e Ele é sua cabeça definitiva.

 Era necessário Cristo sofrer por esta razão – que Ele era o representante do Seu povo pela aliança. Ele é a Cabeça do corpo, a Igreja; e se os membros pecaram, entende-se que a Cabeça, ainda que não tenha pecado, deva sofrer as consequências das ações do corpo. Assim como há um relacionamento natural entre Adão e aqueles que estão em Adão, assim há também entre o segundo Adão e os que estão nEle (Romanos 5:12-21). Eu aceito o que o primeiro Adão fez em relação ao meu pecado. 

Alguns de vocês podem discordar disto, e com toda a dispensação da aliança, se quiserem; mas como agradou a Deus colocar as coisas dessa forma, e eu sinto os efeitos disso, eu não vejo uso algum para a minha discórdia com isso. Tal qual aceito o pecado do pai Adão, e sinto que eu pequei com ele, assim também com alegria intensa eu aceito a morte e sacrifício pela culpa de meu segundo Adão, e me regozijo que nEle eu morri e ressuscitei. Eu vivi, eu morri, eu guardei a lei, eu satisfiz a justiça através da aliança da Cabeça. Deixe-me ser enterrado no batismo que eu mostrarei a todos em volta que eu creio que eu era um com meu Senhor na morte e enterro pelo pecado.

Olhem para isso, Oh, filhos de Deus, e não temam. Essas são grandes verdades, seguras e confortantes. Vocês estão entre as nuvens do Atlântico agora, mas não tenham medo. Percebam o efeito santificador dessa verdade. Suponha que um homem seja condenado à morte por causa de um grande crime; suponha, aliás, que ele morreu por aquele crime, e agora, por alguma obra maravilhosa de Deus, após ter sido morto ele foi vivificado de novo. Ele está novamente entre os homens, como ressurreto dentre os mortos, e qual é o estado de sua consciência quanto à sua ofensa? Ele irá cometer aquele crime de novo? Um crime pelo qual ele morreu? Eu digo enfaticamente: Deus proíbe. Ele certamente dirá: ― eu provei da amargura desse pecado, e eu fui miraculosamente levantado da morte que me sobreveio, e revivi; agora eu odiarei aquilo que me matou, e o abominarei com toda a minha alma.‖

 Aquele que recebeu o pagamento do pecado deve aprender como evitá-lo no futuro. Mas, você responde que ―nós nunca morremos assim. Nunca fomos obrigados a pagar a dívida do nosso pecado.‖ Correto. Mas aquilo que Cristo fez por você vem a ser a mesma coisa, e o Senhor olha para isso como a mesma coisa. Você é então um com Jesus, de tal forma que você deve considerar a morte dEle a sua morte, Seus sofrimentos como o castigo que lhe traz a paz (Isaías 53: 5). Você morreu na morte de Jesus, e agora por uma graça estranha e misteriosa você é resgatado do poço de corrupção (Salmo 40:1-2) para uma vida nova. Como você poderia voltar novamente ao pecado? Você viu o que Deus pensa do pecado: você percebe que Ele o abomina totalmente; pois quando foi posto sobre Seu Filho Amado, Ele não O poupou, mas O pôs em sofrimentos e O levou à morte. Pode você, depois disso, voltar-se àquela coisa maldita que Deus odeia?

Certamente, o efeito dos grandes sofrimentos do Salvador sobre seu espírito deve ser santificação. Como viveremos para o pecado, nós que para ele morremos (Romanos 6:1-14)? Como podemos nós, que já passamos debaixo da maldição (Gálatas 3:13-14), e suportamos sua pesada punição, tolerar seu poder? Deveríamos voltar a esse mal assassino, vil, virulento, e abominável? Não pode ser. A graça o proíbe. Deus não o queira.

Essa doutrina não é a conclusão de todo o assunto. O texto nos descreve como enterrados, mas com a perspectiva de ressurreição. ―Fomos, pois, sepultados com Ele na morte pelo batismo;‖ - com qual objetivo? - ―para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos, assim também andemos nós em novidade de vida.‖ Ser enterrado com Cristo! Para quê? Para que você permaneça morto para sempre? Não, mas agora chegando onde Cristo está, você vá aonde Cristo for. Segure-se nEle, então: Ele vai, então primeiro ao sepulcro, mas a seguir para fora do sepulcro; pois quando a terceira manhã chegou Ele levantou. Se você é de fato um com Cristo, você deve ser um com Ele e passar por tudo; Você será um com Ele na morte, e um com Ele no enterro, e então você virá a ser um com Ele em Sua ressurreição.

Sou agora um homem morto? Não, bendito seja o Seu nome, pois está escrito que ―porque eu vivo, vós também vivereis‖ (João 14:19). Fato é que eu estou morto em um sentido, “considerai-vos mortos”. Mas não estou em outro pois “a vossa vida está oculta juntamente com Cristo, em Deus” (Colossenses 3:3). E como um homem estaria absolutamente morto se ele tem uma vida oculta? Não; já que eu sou um com Cristo eu sou o que Cristo é: como Ele é um Cristo vivente, eu sou espírito vivente. Que coisa gloriosa é ter voltado dos mortos, porque Cristo nos deu vida. Nossa velha vida legal foi tirada de nós pela sentença da lei, e a lei nos vê como mortos (Romanos 7:1-6); mas agora recebemos uma nova vida, uma vida fora da morte, vida-ressurreição em Cristo Jesus. A vida do cristão é a vida de Cristo. Não é nossa a vida da primeira criação, mas da nova criação a partir dos mortos. Agora, pois, andamos nós em novidade de vida (Romanos 6:4), frutificando para a santificação (Romanos 6:22), e justiça, e alegria pelo Espírito de Deus. A vida na carne é para nós um obstáculo; nossa vida está no Seu Espírito. No melhor e mais elevado sentido, nossa vida é espiritual e celestial. Isso também é doutrina que deve ser guardada muito firmemente.

Eu quero que vocês vejam a força disso; pois eu estou buscando resultados práticos nesta manhã. Se Deus deu a você e a mim uma vida inteiramente nova em Cristo, como pode essa vida ser desperdiçada da mesma forma que a vida velha? Há o espiritual que quer viver como carnal? Como podem vocês que eram os servos do pecado, que foram libertos pelo sangue precioso, voltar à velha escravidão (Gálatas 5:1)? Quando vocês estavam na vida do primeiro Adão, vocês viviam em pecado, e o amavam; mas agora vocês foram mortos e enterrados, e feitos andar em novidade de vida: como pode ser que vocês estejam voltando aos rudimentos do mundo de onde o Senhor vos tirou? Se vocês vivem em pecado, vocês serão falsos na sua profissão de fé; pois vocês professarão estarem vivos para Deus (Romanos 6:11)?Se vocês andam na concupiscência, vocês vão pisar as doutrinas benditas da Palavra de Deus, pois elas levam à santidade e pureza. Você faria o cristianismo ser apenas uma palavra e um provérbio se, depois de tudo, vocês que saíram da morte espiritual exibissem uma conduta em nada melhor que a vida do homem comum, e um pouco superior à vida que você mesmo levava.

Visto que muitos de vocês que foram batizados disseram ao mundo ―estamos mortos para o mundo, e fomos trazidos para uma nova vida‖. Nossos desejos carnais estão dessa forma vistos como mortos, pois agora vivemos numa ordem de vida totalmente nova. O Espírito Santo nos deu uma nova natureza, e por mais que estejamos no mundo, não somos dele, mas somos feitos novo homem, ―criados em Cristo Jesus‖ (Efésios 2:10). Essa é a doutrina que pregamos a todo homem, que Cristo morreu e ressuscitou, e que Seu povo morreu e ressuscitou nEle. Dessa doutrina cresce a morte para o pecado e vida para Deus, e desejamos por cada ação e cada momento de nossas vidas ensiná-la a todos que nos vêem.

Não é esta uma preciosa doutrina? Oh, se vocês de fato são um com Cristo, deveria o mundo achar vocês se poluindo? Deveriam os membros de uma Cabeça generosa, graciosa, invejar e serem gananciosos? Deveriam os membros de uma Cabeça gloriosa, pura e perfeita, ser depredados com as concupiscências da carne e com as vaidades de uma vida em vão? Se os crentes são de fato identificados com Cristo de forma tal que eles são Seu tudo, não deveriam eles ser santos eles mesmos? Se nós vivemos em virtude pela nossa união com Seu corpo, como podemos viver como vivem os gentios? Como pode ser que tantos crentes professos exibem uma vida meramente mundana, vivendo para negócios e prazer, mas não para Deus, em Deus, ou com Deus? Eles dão uma pitada de religião numa vida mundana, e esperam cristianizá-la. Mas não conseguirão. Eu sou chamado a viver como Cristo viveria em minhas circunstâncias; escondido em meu quarto ou no púlpito público, eu sou chamado a ser o que Cristo seria no mesmo caso. Eu sou chamado a provar aos homens que aquela união com Cristo não é ficção, nem sentimento fanático: mas que somos movidos pelos mesmos princípios e agimos pelos mesmos motivos.
Batismo é então de fato um credo, e vocês podem lê-lo nestas palavras: ―unidos com Ele na semelhança da Sua morte, certamente, o seremos também na semelhança da Sua ressurreição.‖

 II Mas, em segundo lugar, UMA UNIÃO REAL COM CRISTO também acontece no batismo, isso é mais uma questão de experiência que de doutrina.
Primeiro, há morte, então, uma questão de experiência atual do crente verdadeiro. ―Ou, porventura, ignorais que todos nós que fomos batizados em Cristo Jesus fomos batizados na sua morte?‖ Deve ser contrário a todas as leis enterrar aqueles que ainda estão vivos. Enquanto não morrerem, o homem não pode ter o direito de ser enterrado. Muito bem, então, o cristão está morto, - morto, primeiro, para o domínio do pecado. Toda vez que o pecado lhe chamava, antes, ele respondia, ―aqui estou eu, pois você me chamou.‖ O pecado mandava em seus membros, e se o pecado dizia, ―faça isso,‖ ele o faria, como o soldado obediente ao seu centurião; pois o pecado mandava em todas as partes da sua natureza, e exercia sobre ele uma tirania suprema.

A graça mudou tudo isso. Quando nos convertemos nos tornamos mortos para o domínio do pecado. Se o pecado nos chama agora, nos recusamos a ir, pois estamos mortos. Se o pecado nos dá um comando nós não o obedecemos, pois estamos mortos para a sua autoridade. O pecado vem a nós hoje – oh, que ele não o faça – e acha em nós a velha corrupção que está crucificada, mas ainda não morta; mas não tem domínio sobre nossa verdadeira vida. Bendito seja Deus, o pecado não pode reinar sobre nós, por mais que possa nos assediar e nos trazer mal. ―Porque o pecado não terá domínio sobre vós; pois não estais debaixo da lei, e sim da graça.‖ Nós pecamos, mas sem permissão. Com que tristeza nós olhamos para as nossas transgressões! Quão sinceramente nós nos empenhamos em evitá- las! O pecado tenta manter seu poder usurpado sobre nós; mas não o reconhecemos como soberano. O mal entra em nós como um intruso ou estranho, e trabalha em triste confusão, mas não habita em nós sobre um trono; é alguém de fora, e rejeitado, e não mais honrado e um prazer. Estamos mortos para o reino do poder do pecado.

O crente, se espiritualmente sepultado com Cristo, está morto para o desejo de tal poder. ―O quê!‖ diz você, ―não têm os homens piedosos desejos de pecado?‖ De fato, eles têm. A velha natureza que há neles deseja o pecado; mas o homem verdadeiro, o ego real, deseja ser purgado de qualquer espécie ou traço de mal. A lei que opera em seus membros corre para o pecado, mas a vida no coração constrange à santidade (Romanos 7:14-23). Eu posso falar honestamente, por mim mesmo, que meu desejo mais profundo de minha alma é viver uma vida perfeita. Se eu pudesse ter meu melhor desejo realizado, eu nunca pecaria de novo; e, apesar disso, eu consinto com o pecado de tal forma que me torno responsável quando transgrido, meu eu mais interior abunda de iniquidade. 
O pecado é meu fardo, não meu prazer; minha miséria, não meu deleite; pensando nisso eu clamo, ―desventurado homem que sou! Quem me livrará do corpo desta morte?‖ (Romanos 7:24). No centro do nosso coração nosso espírito se inclina firmemente para o que é bom, e verdadeiro, e celestial, de tal forma que o homem real tem prazer na lei de Deus, e busca de todo coração o que é bom. A verdadeira tendência atual do desejo e vontade de nossa alma não é para o pecado, e o apóstolo não nos ensinou mera fantasia quando disse, ―Porque aquele que está morto está livre do pecado‖ (Romanos 6:7).

Além disso, em segundo lugar estamos como que mortos à busca intensa e aos objetivos de uma vida ímpia e pecaminosa. Irmãos, há entre vocês alguém que professa ser servo de Deus vivendo para si mesmo? Então vocês não são servos de Deus; pois aquele que realmente nasceu de novo vive para Deus: o objetivo de sua vida é a glória de Deus e o bem aos seus semelhantes. Esse é o prêmio colocado à frente do homem movido por Deus, e para isso ele corre.

“Eu não corro para isso‖, diz um. Bem, então você não chegará ao destino desejado. Se você corre atrás dos prazeres do mundo e suas riquezas, você talvez alcance o prêmio de que está atrás, mas você não pode conquistar o ―prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus‖ (Filipenses 3:14). Eu espero que muitos de nós possamos dizer honestamente que estamos agora mortos para qualquer objetivo na vida, exceto a glória de Deus em Cristo Jesus. Estamos no mundo, e temos que viver como outros homens vivem, levando para frente nosso negócio regular; mas tudo isso está subordinado, e não nos agarramos nisso; nossos alvos estão além de algo mutável. O vôo de nossa alma, como o da águia, está acima destas nuvens: como aquele pássaro do sol recebe luz nas rochas, que mesmo descendo às planícies, ainda assim seu prazer é planar buscando a luz, indo acima das nuvens negras de tempestade, e olhando para todas as coisas terrenas como inferiores. 

Semelhantemente nossa vida que nos foi dada graciosamente segue em frente e acima; não somos do mundo, e as questões do mundo não são aquelas em que nós gastamos a maioria das nossas forças.
Novamente, estamos mortos nesse sentido, que estamos mortos para a orientação do pecado. A concupiscência da carne guia um homem para todos os lados. Ele determina seu curso pela pergunta, ―o que é mais prazeroso? O que me dará mais gratificação imediata?‖ O caminho dos ímpios é traçado pela mão do desejo egoísta: mas vocês que são verdadeiros cristãos têm outro guia, vocês são liderados pelo Espírito em um caminho direito. Você pergunta, ―o que é bom e o que é aceitável aos olhos do Altíssimo?‖ Sua oração diária é ―Senhor, mostra-me o que queres que eu faça‖. Vocês estão vivos para o ensino do Espírito, que os conduzirá a toda a verdade (João 16:13; I João 2:27); mas vocês estão surdos, sim, mortos para os dogmas da sabedoria carnal, às oposições da filosofia, aos erros da orgulhosa sabedoria dos homens. Guias cegos que caem (Mateus 15:14) com suas vítimas na vala são evitados por vocês, que escolheram o caminho do Senhor. Que abençoado estado de coração é este! Eu creio, meus irmãos, que já o percebemos de todo! Conhecemos a voz do pastor, e não seguiremos o estranho (João 10:4-5). Um é o vosso professor, e submetemos nosso entendimento à sua instrução infalível.

 Nosso texto deve ter tido um significado fortíssimo entre os romanos do tempo de Paulo, pois eles estavam mergulhados em todas as formas de vícios odiosos. Pegue um romano normal daquele período, e você o verá como um homem acostumado a gastar grande parte de seu tempo no anfiteatro, embrutecido pelas visões brutais de shows sangrentos, nos quais gladiadores se matavam para divertir uma multidão de férias. Ensinados em tal escola, o romano era cruel o quanto se pode ser, e além disso feroz na satisfação de suas paixões. Um homem depravado não o era considerado totalmente degradado; não somente nobres e imperadores eram monstros do vício, mas os professores públicos eram impuros. Quando aqueles que eram considerados como morais eram corruptos, você pode imaginar como eram os imorais. ―Divirta-se; siga atrás dos prazeres da carne‖, essa era a regra da época.

O cristianismo introduziu um novo elemento. Veja um romano convertido pela graça de Deus! Que mudança há nele! Seu vizinho lhe diz, ―você não estava no anfiteatro esta manhã. Como pôde perder a visão dos cem alemães que arrancaram as entranhas uns dos outros?‖ ―Não‖, ele diz, ―eu não estava lá; eu não suportaria estar lá. Estou completamente morto pra isso. Se você me forçasse a estar lá, eu teria de fechar meus olhos, pois não poderia olhar para assassinato ser cometido por esporte!‖. O cristão não se acomodava em locais de licenciosidade; ele estava realmente morto para tamanha imundície. A moda e os costumes da época eram tais que os cristãos não conseguiriam consentir com eles, e assim eles se tornaram mortos para a sociedade. Não é que os cristãos não iam atrás do pecado público, mas eles falavam dele com horror, e suas vidas o repreendiam. Coisas que as multidões consideravam com alegria, e falavam exaltando-as, não davam prazer ao seguidor de Jesus, pois ele estava morto para tais males. Essa é a nossa confissão solene quando decidimos nos batizar. Falamos, por atos que são mais audíveis que palavras, que estamos mortos para aquelas coisas em que os pecadores se deleitam, e queremos ser assim considerados.

O pensamento seguinte em batismo é enterro. Primeiro vem a morte, e então se segue o enterro. Agora, o que é enterro, irmãos? Enterro é, antes de tudo, o selo da morte; é o certificado de perda. ―Está tal homem morto?‖ diz você. Outro responde, ―porque, meu caro? Ele foi enterrado há um ano‖. Há exemplos de pessoas enterradas vivas, e eu temo que isso aconteça com triste frequência no batismo, mas não é natural, e de forma alguma a regra. Eu temo que muitos tenham sido enterrados vivos no batismo, e tenham posteriormente se levantado e saído da sepultura como estavam. Mas se o enterro é verdadeiro, é uma prova da morte. Se eu consigo dizer com verdade, ―Eu fui enterrado com Cristo trinta anos atrás‖, eu certamente estou morto.

 Certamente pensou assim o mundo, pois não pouco depois do meu enterro com Jesus eu comecei a pregar o Seu nome, e pelo tempo que o mundo me teve há muito como perdido, e disse, ―ele fede‖ eles começaram a dizer toda sorte de mal contra o pregador; mas quanto mais eu cheirava mal em suas narinas mais eu gostava de fazê-lo, pois tanto mais certo eu estava morto para o mundo. É bom para o cristão ser ofensivo aos homens rebeldes. Vejo como nosso Mestre fedia na estima dos ímpios quando clamavam ―crucifica-o! Crucifica-o!‖ por mais que nenhuma corrupção poderia chegar perto de seu corpo santo, ainda assim seu caráter perfeito não era saboreado por aquela geração perversa. Deve haver, portanto, em nós a morte para o mundo, e alguns dos efeitos da morte, ou nosso batismo é vão. Tanto quanto o sepultamento é a prova da morte, então nosso enterro com Cristo é o selo de nossa mortificação para o mundo.

Mas o enterro é, a seguir, a manifestação da morte. Enquanto o homem está vivo, os que passam não sabem que ele está morto; mas quando acontece o funeral, e ele é levado pelas ruas, todos sabem que ele está morto. É isso que o batismo deve ser. A morte do crente para o pecado é inicialmente um segredo, mas por uma confissão aberta ele leva todos os homens a saber que ele está morto com Cristo. Batismo é o rito funeral pela qual a morte para o pecado é abertamente estabelecida diante de todos os homens.

O sepultamento é também a separação da morte. O homem morto não está mais em sua casa, mas é colocado à parte como um que parou de ser contado entre os vivos. Um corpo não é uma companhia bem-vinda. Mesmo o objeto mais amado depois de um tempo não pode ser tolerado quando a morte fez seu trabalho sobre ele. Mesmo Abraão, que ficou por tanto tempo unido a sua amada Sara, é ouvido dizendo, ―sepulte o morto de diante da minha face‖ (Gênesis 23:1-4). Tal é o crente quando sua morte para o mundo é totalmente conhecida: ele é má companhia na opinião dos mundanos, e eles o vêm como o estraga-prazeres. O verdadeiro santo é colocado em separado na mesma classe que Cristo, de acordo com Sua palavra, ―Se me perseguiram a mim, também perseguirão a vós‖ (João 15:20). O santo é colocado fora do arraial (Hebreus 13:13) na mesma cova que seu Senhor; pois assim como Ele foi, assim somos nós também neste mundo. Ele está sepultado pelo mundo naquele único cemitério de fé, se assim o devo chamar, onde todos os que estão em Cristo estão juntamente mortos para o mundo, com o epitáfio para todos eles, ―Porque já estais mortos, e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus‖ (Colossensses 3:3).

E a cova é o lugar – eu não sei de onde tirar uma palavra disso – de acomodação da morte; pois quando um homem é morto e enterrado você jamais espera vê-lo voltando para casa novamente: tanto quanto este mundo está informado, morte e enterro são irreversíveis. Eles me dizem que espíritos andam pela terra, e todos nós vimos no jornal ―A verdade sobre fantasmas‖, mas eu tenho minhas dúvidas neste assunto. Nas questões espirituais, entretanto, eu temo que alguns não estejam muito sepultados com Cristo, mas andam entre as tumbas. Me entristece muito que seja assim. O homem em Cristo não pode andar como fantasma, pois ele está vivo em outro lugar; ele recebeu um novo ser e, portanto, ele não pode aparecer entre os falsos mortos a seu redor. Veja o que nosso capítulo fala sobre o Senhor: ―sabendo que, havendo Cristo ressuscitado dos mortos, já não morre; a morte não mais terá domínio sobre ele. Pois, quanto a ter morrido, de uma vez morreu para o pecado; mas, quanto a viver, vive para Deus.‖ (Romanos 6:9-10). Se de fato fomos vivificados das obras mortas nós jamais devemos voltar-nos a elas. Eu posso até pecar, mas o pecado não pode ter domínio sobre mim; eu posso ser um transgressor e ir longe do meu Deus, mas jamais eu poderia voltar à velha morte novamente. Quando a graça do meu Senhor me tomou, e me enterrou, ele forjou em minha alma a convicção que dali em diante e para sempre eu era para o mundo um homem morto.
Eu estou verdadeiramente grato em não ter comprometido isso, mas ter ido direto para fora. 

Eu desembainhei a espada, e lancei fora a bainha (Efésios 6:17; recomendo a leitura de ―A espada do Espírito‖). Digam ao mundo que é melhor eles não tentarem nos buscar de volta, pois estamos tão estragados para ele como se estivéssemos mortos. Tudo que poderiam ter de nós seriam nossas carcaças. Digam ao mundo para não nos tentar mais, pois nossos corações estão mudados. O pecado pode encantar o homem velho, homem dependurado na cruz, e ele deve até virar o seu olho luxuriante naquela direção, mas ele não pode seguir seu relance, pois ele não pode descer da cruz: O Senhor teve o cuidado de malhar bastante, e Ele pregou suas mãos e pés firmemente, de tal forma que a carne crucificada permanecerá no lugar de sofrimento e morte. Sendo isso também verdade, a genuína vida que está em nós não pode morrer, pois nasceu de Deus; nem pode habitar em tumbas, pois seu chamado é à pureza e alegria e liberdade; e a esse chamado se rende.

Nós chegamos até a morte e o sepultamento; mas o batismo, de acordo com o texto, representa também a ressurreição: ―como Cristo ressuscitou dos mortos pela glória do Pai, assim andemos nós também em novidade de vida‖ (Romanos 6:4). Agora, note que o homem que está morto em Cristo, e sepultado com Cristo, é também levantado de entre os mortos em Cristo, e esse é um trabalho especial sobre ele. Nenhum morto está ressuscitado, mas o nosso Senhor mesmo é ―as primícias dos que dormem‖ (I Coríntios 15:20). Ele é o primogênito dos mortos (Colossensses 1:18). Ressurreição foi uma obra especial no corpo de Cristo pela qual Ele foi levantado, e aquela obra, que começou na cabeça, vai continuar até todos os membros serem co-participantes, pois:

 “Apesar de nossos pecados exigirem Nossa carne se tornar pó; Ainda assim como Senhor nosso Salvador se levantou, E assim farão todos os que o seguem”

Pois para nossa alma e espírito, a ressurreição começou em nós. Não chegou a nossos corpos ainda, mas será dada a eles no dia determinado. No presente um trabalho especial foi forjado sobre nós pelo qual fomos levantados de entre os mortos. Irmãos, se vocês foram mortos e sepultados, e ficaram deitados por uma noite, digamos, no Cemitério Onde se Acorda, e se uma voz divina lhe chamou diretamente para fora da cova quando as estrelas silenciosas brilhavam no céu aberto – se, digo eu, vocês se levantaram definitivamente do monte verde de relva, que ser solitário deveria ser no vasto cemitério na noite escura! Como você poderia sentar na vala e esperar pela manhã! Essa é realmente a condição que diz respeito ao presente mundo mal. Você foi uma vez igual a todos os pecadores ao seu redor, morto em pecado (Efésios 2:1), e dormindo a cova encomendada pelo mal. O Senhor pelo Seu poder chamou você para fora de sua tumba, e agora você está vivo no meio dos mortos. Não pode haver amizade aí para você: pois que comunhão pode haver entre os vivos e os mortos? Os homens lá no cemitério que acabaram de ser chamados não achariam ninguém no meio dos mortos com quem pudessem conversar, e não poderão achar companhia neste mundo. Ali jaz uma caveira, mas ela não pode ver pelos buracos dos olhos; nem tampouco há discurso vindo de sua boca cruel. Eu vejo uma massa de ossos depositados no canto: o que vive olha para eles, mas eles não podem ouvir ou falar. Imagine-se lá. Tudo que você poderia dizer aos ossos seria perguntar, ―poderão viver estes ossos secos?‖ (Ezequiel 37:3). Você seria um estrangeiro nessa casa de corrupção, e você desejaria sair o quanto antes de lá. Essa é sua condição no mundo: Deus te levantou de entre os mortos, e da companhia com a qual você tinha regularmente suas conversações.

 Agora, eu clamo a vocês, não volte e cave na terra, para abrir as covas e achar um amigo lá. Quem tiraria a porta de um caixão e clamar, ―Venha, você deve beber comigo! Você deve ir ao teatro comigo!‖ Não, nós abominamos a idéia de associarmo-nos com a morte, e eu tremo ao ver um cristão professo tentar ter comunhão com homens mundanos. ―Pelo que saí do meio deles, e apartai-vos, diz o Senhor; e não toqueis nada imundo‖ (II Coríntios 6:17). Vocês sabem o que aconteceria a você caso depois de ter sido levantado, e fosse forçado a sentar perto de um corpo morto recentemente tirado da cova. Você clamaria, ―Eu não posso suportar isso; não posso aguentar isso‖; você preferiria estar do lado oposto ao vento em relação ao corpo horrendo. Assim também com o homem que está realmente vivo para Deus: atos de injustiça, opressão, ou impureza ele não pode suportar; pois a vida se opõe à corrupção.

Note que, assim como fomos levantados por um trabalho especial de entre os mortos, esse levantar é pelo poder de Deus. Cristo foi trazido novamente ―dos mortos pela glória do Pai.‖ O que isso significa? Porque não disse, ―pelo poder do Pai‖? Ah, amados, glória é uma palavra maior; pois todos os atributos de Deus são exibidos em toda a sua pompa solene na ressurreição de Cristo de entre os mortos. Lá havia a fidelidade do Senhor; não havia Ele declarado que o ressuscitaria dos mortos (Isaías 55:3), e que não permitiria que o Seu Santo visse corrupção (Salmo 16:10)? Não foi o amor do Pai visto nisso? Eu estou certo de que houve um deleite no coração de Deus ao trazer de volta a vida ao corpo de Seu Filho amado. E assim, quando eu e você somos tirados de nossa morte em pecados, não é meramente o poder de Deus, não é meramente a sabedoria de Deus que é vista, é a ―glória do Pai‖.

Oh, pensar que cada filho de Deus que foi chamado foi chamado pela ―glória do Pai‖. Exigiu não somente o Espírito Santo, a obra de Jesus e a obra do Pai, mas a própria ―glória do Pai‖. Se a menor centelha de vida espiritual tem de ser criada pela ―glória do Pai‖, qual será a glória daquela vida quando chegar à perfeição plena, e quando formos como Cristo, e vê-lo como Ele é (I João 3:2)! Oh amados, tenham em alta conta a nova vida que Deus lhes deu. Pensem nela em lhes tornando mais ricos se vocês tivessem um mar de pérolas, mais que se vocês tivessem descendido do mais elevado dos príncipes. Há em você aquilo que requer todos os atributos de Deus para vir a existir. Ele poderia fazer um mundo somente com poder, mas você deve ser levantado de entre os mortos pela ―glória do Pai‖.

 Note a seguir que essa vida é algo inteiramente novo. Nós somos chamados a andar em ―novidade de vida‖. A vida de um cristão é algo inteiramente diferente da vida de outros homens, totalmente diferente da sua própria vida antes de sua conversão, e quando as pessoas tentam falsificá-la, eles não conseguem.

Uma pessoa lhe escreve uma carta e quer que você acredite que ele é um crente, mas dentro de uma meia-dúzia de sentenças aparece uma linha que trai o impostor. O hipócrita copiou suas expressões de maneira ordenada, mas não totalmente. Há uma guilda entre nós, e o mundo olha-nos de fora por um pouco, e aqui e ali eles tomam alguns de nossos símbolos; mas há um símbolo privado, que eles nunca conseguirão imitar, e assim em certo ponto eles se quebram. Um homem sem Deus pode orar tanto quanto um cristão, ler tanto a Bíblia quanto um cristão, e mesmo ir além de nós no exterior; mas há um segredo que ele não sabe e não consegue falsificar. A vida divina é uma novidade tão grande que o irregenerado não tem uma cópia com que trabalhar. Em todo cristão ela é tão nova como se ele fosse o primeiro cristão. Ainda que em todos haja a imagem e a inscrição de Cristo, ainda há uma borda branqueada ou algo da prata verdadeira que esses falsificadores não podem conseguir. É algo novo, uma história, algo fresco de Deus.

E, por último, essa vida é algo ativo. Eu já desejei que Paulo não tivesse sido tão rápido enquanto o lia. Seu estilo viaja em botas de sete léguas. Ele não escreve como um homem qualquer. Eu realmente gostaria de dizer a ele que se ele tivesse escrito este texto na ordem apropriada, deveria ser, ―Como Cristo foi levantado de entre os mortos pela glória do Pai, assim também devemos ser levantados‖. Mas veja; Paulo pulou tanto assunto enquanto falamos: ele chegou a ―andemos‖. O andar inclui a vida, que o simboliza, e Paulo pensa tão rápido quando o Espírito de Deus está sobre ele que ele passou direto da causa para o efeito. Tão logo recebemos a nova vida nos tornamos ativos: não sentamos e dizemos, ―Eu recebi uma nova vida: quão grato eu devo estar. Eu vou na quietude usufruir disso‖. Oh, queridos, não. Nós temos de fazer algo diretamente enquanto estamos vivos, e começamos a andar, e assim o Senhor mantém-nos durante toda a nossa vida em Sua obra; ele não nos permite ficar sentados contentes com o mero fato de vivermos, nem permite que gastemos nosso tempo examinando se vivemos ou não; mas nos dá uma batalha para lutar, e a seguir outra; Ele nos dá Sua casa para construir, Sua fazenda para arar, Seus filhos para cuidar, e Suas ovelhas para alimentar.
Às vezes temos tempos de ferozes lutas com nosso próprio espírito, e tememos que o pecado e Satanás irão enfim prevalecer, até que nossa vida será dificilmente reconhecida, mas é sempre reconhecida pelos atos. A vida que é dada àqueles que estavam mortos, com Cristo, é uma vida enérgica, forte, que está sempre ocupada para Cristo, e, se pudesse, moveria céus e terra para sujeitar todas as coisas àquele que é sua Cabeça.

Essa vida Paulo nos diz que não tem fim. Uma vez recebida, nunca sairá de você. ―havendo Cristo ressuscitado dos mortos já não morre; a morte não mais terá domínio sobre ele‖. É também uma vida que não está mais debaixo do pecado ou da lei. Cristo veio sob a lei enquanto estava aqui (Gálatas 4:4), e teve os nossos pecados sobre si (Isaías 53:6), e assim morreu; mas depois que Ele ressuscitou não havia mais pecado sobre Ele. Em Sua ressurreição tanto o pecador quanto o Fiador estão livres. O que Cristo teve de fazer depois de ressuscitar? Carregar mais pecados (Hebreus 7:27)? Não, mas simplesmente viver para Deus. É aí onde eu e você estamos. Não temos pecados mais para carregar; está tudo sobre Cristo. O que temos de fazer? Toda vez que tivermos uma dor de cabeça, ou nos sentirmos enfermos, clamaremos, ―essa é a punição pelo meu pecado?‖ Nada disso. Nossa punição foi plenamente satisfeita, pois recebemos a sentença capital, e estamos mortos: nossa nova vida deve ser para Deus.

 “Tudo o que resta para mim É somente amor e canção, E esperar a vinda dos anjos Para me levar aos céus.”

Eu tenho agora que servi-lO e ter prazer nEle, e usar o poder que Ele me deu para chamar outros dos mortos, ―desperta, ó tu que dormes, e levanta-te dentre os mortos, e Cristo te iluminará‖ (Efésios 5:14). Eu não vou voltar à cova da morte espiritual nem ao meu caixão de pecado; mas pela graça divina eu vou continuar a crer em Jesus, e ir de força em força, não debaixo da lei, não temendo o inferno, nem esperando merecer o céu, mas como uma nova criatura (II Coríntios 5:17), amando por ter sido amado primeiro (I João 4:19), vivendo para Cristo pois Cristo vive em mim (Gálatas 2:19-20), ardentemente esperando a glória que será revelada (Romanos 8:18) em virtude da minha união com Cristo.

Pobre pecador, você não sabe nada sobre essa morte e sepultamento, e nunca saberá até que você tenha o poder de ser chamado filho de Deus (I João 1:12), que Ele dá a todos os que crêem no Seu nome. Creia no Seu nome, e será todo seu. Amém e amém.


FONTE: http://www.spurgeongems.org/vols25-27/chs1627.pdf Traduzido do inglês, do original ―Baptism – a Burial‖, Adaptação de The C. H. Spurgeon Collection, Ages Software, 1.800.297.4307 Todo direito de tradução protegido por lei internacional de domínio público Sermão nº 1627—Volume 27 do Metropolitan Tabernacle Pulpit